sábado, 16 de abril de 2011

Sir Anthony Hopkins sai e volta para o armário

Um dos sintomas mais claros do preconceito e da discriminação que sofrem ateus e agnósticos é a necessidade que muitos de nós sentem de esconder suas opiniões, e muitas vezes até de mentir sobre elas. O que pode estar em jogo? Sua família, seus amigos, seu casamento, sua carreira...

Que muitos ateus estão no armário não é novidade. Mas é particularmente triste quando um indivíduo que era publicamente descrente de uma hora para outra não apenas se diz religioso mas até inventa um passado de religiosidade para criar uma história mais autêntica. Esse parece ser o caso de Sir Anthony Hopkins. Até alguns meses atrás, ele se posicionava como um agnóstico ferrenho, rejeitando o ateísmo forte ("I couldn’t live with that certainty") e advogando a ideia de que a dúvida é inescapável, como deixam bem claro algumas de suas declarações feitas em entrevista à CNN:

"I know atheists, brilliant atheists. I enjoy reading Christopher Hitchens, I’ll examine everything. But, what I enjoy is uncertainty. There’s lines in this movie where I say, ‘Cherish your doubts because there God is hiding.’ I don’t know. You don’t know. None of us know."
 
"I made a point in The Rite, I was saying to the young priest, ‘So what do you believe in? The truth? Oh, yes, the truth. Look where that got us. Hitler, Stalin – they know the truth.’"

As declarações surgiram a propósito do seu último filme, O Ritual, em que ele interpreta um padre que encontra um seminarista mais cético relutantemente frequentando um curso de exorcismo. Como é comum nos casos de filmes com apelo religioso, a imprensa (e talvez os produtores do filme) tem interese em explorar as crenças pessoais dos atores, esperando-se em geral que eles não sejam "do contra" e ajudem a promover como realidade a fantasia do filme - um pouco como um mágico que nunca sai do papel e afirma mesmo fora do palco que suas ilusões são "pra valer".
 
Hopkins deu algumas declarações claras, afirmando que não se considerava crente nem ateu ("agnóstico, talvez"). Mas logo surgiram outras mais ambíguas ("Acho que agora acredito não em um deus pessoal interessado em meus assuntos, mas em um deus do universal, em uma mente divina universal. É um mistério, por isso mantenho uma mente aberta a tudo isso. Acredito em algo muito maior do que eu, um poder maior. Posso chamá-lo Deus, como posso chamá-lo de qualquer outro nome"), em que ele afirma crer no deus de Einstein e Spinoza (""But everything is God. Everything is particle physics. I've read everything I can. I started reading Charles Darwin's 'The Origin of the Species' . I believe in a God that Einstein believed in, a sort of Spinoza kind of interpretation"), uma "divindade" impessoal, ausente, que é a própria natureza, nada faz e não escuta nem se importa com os humanos - o que nos faz perguntar por que chamá-la de divindade. O "deus" de Spinoza é sem dúvida a última parada dentro do teísmo antes de chegar ao ateísmo. Ou a primeira parada para quem faz o caminho contrário. 
 
O curioso é que a descrença de Hopkins levou-o a interferir nas falas do filme, com a permissão do diretor, o que ele comenta com um inconfundivel tom ateísta:
"Queria dar outra dimensão. É um sacerdote que perdeu sua fé. Disse (a Hafstrom) que eu gostaria de acrescentar algumas linhas, e (nelas) digo que há dias nos quais não sei no que acredito, se em Deus ou em Papai Noel"
Para deixar bem claro: o ator incluiu no filme uma fala em que o padre que ele interpreta afirma ter dúvidas sobre a crença em deus, e afirmou que o fez porque sua posição pessoal é a de dúvida. Sua declaração pode ser lida no original aqui. Também há uma interessante reportagem sobre o caso no blog paulopes. No entanto, subitamente Hopkins passou de alguém que não apenas não acredita mas condena as certezas e dogmas ("I think it is dangerous. Certainty is responsible for some of the most awful terrors in the world.") a um devoto cristão, por ter sido tirado do alcoolismo.


Para azar de Hopkins, em 31 de janeiro o importante jornal britânico The Telegraph já havia publicado uma entrevista sua em que ele conta que superou o alcoolismo sozinho:

“When I first came to LA in the Seventies,” Hopkins admits, “I was drinking up a storm. Everyone else was doing drugs. But one day I just thought: ‘This is it. No more booze.’ I’d had a couple of warnings. People told me: ‘ You’ve got a nice career ahead of you, you should clean yourself up.’ But I didn’t do it for the work. I did it for me.” 
Talvez porque suas declarações não foram bem aceitas nos Estados Unidos (onde ele se naturalizou), ou por pressão dos estúdios, ou simplesmente por ganância, no dia 7 de fevereiro essa história mudou radicalmente e, na mesma entrevista a Piers Morgan, da CNN, em que ele firmou sua ausência de crença, ficou assim:


HOPKINS: No, I can't have a cynicism. And I used to be an atheist. I was an agnostic for many years.

MORGAN: What changed? What changed?

HOPKINS: Oh, something, a crisis in my life, some 35 years ago, and I was hell bent on destruction. And I just asked for a little bit of help, and suddenly, pow. It was just like, bingo.

MORGAN: So it's a fact that you, in that moment, as an atheist, you decided to pray to God, did you?

HOPKINS: Oh, I - I did. I was here in New York at the time and I was in desperate straights. I was drinking - couldn't stop. Couldn't stop. And I was - it was like being possessed by a demon, an addiction, and I couldn't stop. And millions of people around like that. I could not stop.

There's no way I could get it, and I suddenly, in Los Angeles, I made that quantum leap when I asked for help. I just found something and a woman talked to me and she said, just trust in God. And I said, well, why not? And was such a quantum leap from this to that.

MORGAN: And did you - did you literally pray? Did you go to a church or the -

HOPKINS: No, I - no, I didn't. I think because I asked for help, which is a form of prayer. Because you - if the ego - if I say, well, I can do it on my own. I can do anything on my own. I can conquer anything. That's nonsense. I can't conquer anything. I don't know you - I don't -

This guy says in the film, I say, I'm weak. I am powerless. I have no power. And I don't know anything. The priest says that's humility.

And I knew a psychiatrist in London who was a priest and I went to him to - I'm looking for guidance once, not therapy, and he said why do you want to become a Catholic. I said, I just need a center in my life. He said, well, think very carefully before you do that. It's a big deal.

He said what is the problem? I said I just feel a bit lost. He said, well, join the human race. And he told me about his own loss of faith, and not being a theologian myself, I thought - I said, what's it like? He said, it's hell. He said but you'll find your way back or you destroy yourself.

Vejam as palavras exatas de Hopkins, minutos antes, sobre sua descrença:

(BEGIN VIDEO CLIP)

HOPKINS: We're always looking for proof, certainty. The question is what on earth would do we do if we found it?

COLIN O'DONOGHUE, ACTOR: You?

HOPKINS: Oh, yes. At times I experience a total loss of faith, days, months when I don't know what the hell I believe in, God or the devil, Santa Claus or Tinkerbell. Yet there's something that keeps digging and scraping away inside me. It feels like God's fingernail. And, finally, I can take no more of the pain and I get shoved out from the darkness back into the light.

(END VIDEO CLIP)

MORGAN: How much of that is - is you?

HOPKINS: It's all me.

MORGAN: That's what I thought. You put that in there, didn't you?

HOPKINS: Yes.

MORGAN: And is that - and is that because you actually - that's really what you believe yourself?

HOPKINS: That's what I believe in. Well, I have e-mail correspondence with the director from - he lives in England and I live in California. And I said I wanted to give a dimension to this. He is in a lot of conflict himself.

And I said I'd like to add the line atheist, whatever the line is, about skeptics and atheists, how we obviously have a problem, and the young priest says, "You?" I say, "Oh, yes. Every day, many times I lose my faith." And I guess I have an open idea about it all.

MORGAN: Do you believe in God?

HOPKINS: Yes, I do. I do. I'm not an atheist. I don't know what it is. None of us do.

Everything is God. Everything is particle physics. I've read everything I can. I started reading Charles Darwin's "The Origin of the Species" and -

MORGAN: What do you don't like? You don't like absolutism, do you?

HOPKINS: No. No.

MORGAN: You don't - you don't like the sense of somebody being in the right, which tends to be the pretext of - most certainly on the more extreme ends of almost every religions is that they're fundamentally correct.

You don't like that. You think that's dangerous?

HOPKINS: I think it is dangerous. Certainty is one of the most awful terrors of - in the world because people were certain, "I know the truth." I - I made a point in the film, I was saying to the young priest, I said, so what do you believe in? The truth? Oh, yes, the truth. Look where that got us. Hitler, Stalin - they know the truth.

And I know atheists, brilliant atheists. I enjoy reading Christopher Hitchens and - and I'll examine everything. But, what I enjoy is uncertainty.

There's lines in this where I say cherish your doubts because there God is hiding. I don't know. You don't know. You're - you're a good Catholic, I'm sure.

 Sem querer, ele escorrega usa a primeira pessoa do plural ("we") para falar de céticos e ateus. Notem: minutos antes ele tinha advogado a descrença, depois o "deus" impessoal de Spinoza e por fim um deus que escuta orações e cura alcoólatras, ao mesmo tempo que nega ser ateu. Será que Hopkins estava confuso sobre o seu passado e sobre suas crenças ou será que ele simplesmente quis criar uma história bonita aos olhos dos crentes, incluindo ainda uma suposta semelhança com possessão? O que é mais provável? 

3 comentários:

  1. Acho que, sendo um ator global, ele tem que zelar pela sua imagem e sabendo o preconceito aos ateus, mentiu sobre a (des)crença. É o que me parece.

    ResponderExcluir
  2. Ah ele não sabe o que fala, talvez não tenha coragem pra admitir e enfrentar as consequencias...Ele perderia muitos fãs, mas ganharia muito maisd admiradores.Eu assisto O Ritual e achei muito bom, embora o que eles mais falham no filme é em ficar repetindo que o ateu busca a certeza, quando em fato procuramos a verdade.

    ResponderExcluir
  3. O ateu é, antes de tudo, um ser em conflito, pois o ateísmo é um conceito puramente individual. Segundo achados arqueológicos, o homem começou a enterrar seus mortos e a cultivar rituais de adoração a deidades há cerca de 300.000 anos. Nunca foi achada, desde então, vestígios de uma cultura ateia.
    Quando alguém diz ser ateu, é uma afirmação muito vaga. Em essência, o ateu é aquele que nega a existência de deuses ou qualquer outro ser místico. Mas ele está negando algo que é subjetivo, pois a existência de qualquer elemento místico ainda não foi provada empiricamente. Logo, sua negação torna-se subjetiva também.
    Se eu creio em uma divindade, eu o faço pela fé. Mas se eu nego essa divindade, eu a nego pelo quê? Por uma fé negativa? Se a fé é a certeza daquilo que não se vê, fé negativa seria a certeza daquilo que se vê? Dessa forma, então, o ateu provou para si mesmo a existência de um deus, avaliou esse deus e resolveu negá-lo. Se for assim, faz sentido ser ateu. E pela sua lógica, ele acabou provando a existência daquilo que ele diz não existir.

    O anseio pelo místico nos foi colocado pelo próprio Deus, assim como o desejo de ser feliz e buscar pelas coisas boas e agradáveis ao nosso viver, pois ninguém quer ser deprimido, ansioso, triste ou frustrado nesse mundo. E Ele, Deus, está sempre disposto a realizar todos os nossos anseios, pois estes são marcadores em nós por Ele colocados para que nos questionemos sobre o sentido de nossa existência. Mas para sermos por Ele preenchidos e satisfeitos, tendo removidos os medos, angústias, depressão, inseguranças e etc., temos que buscar nossa filiação a Ele, já que pela Sua Palavra, todos somos criaturas. Apenas quando ouvimos e praticamos o que Ele nos ensina, buscando o Seu Espírito, tornamos-nos Seus filhos, e assim, cuidados por Ele. Claro que aqueles que se "encontram" nesse mundo, tendo o seu vazio existencial ofuscado, seria mais ou menos como conviver com um zumbido auditivo terrível, mas que acaba sendo esquecido por estarem tais pessoas perto de uma turbina ligada de um Boing 747, que seria a glória do mundo. O problema é que um dia, o combustível desse Boing acaba. Aí, o inevitável inverno da existência humana, que é a cessação de nossa vida nesse plano, nos é confrontado. Inevitavelmente....

    Espero que Sir Anthony Hopkins se encontre.

    ResponderExcluir